Ritual Sonoro - Guimarães, Cidade Verde Europeia

Quando falamos de território, estamos, sobretudo, a pensar num conjunto de pistas de natureza visual que contribuem para dar substância ao conceito. São elementos que mapeiam a realidade física e nos ajudam a lidar com toda essa complexidade. Pode ser um elemento natural ou um feito pelo homem. Uma grande montanha, por exemplo ou um objecto, um marco, um edifício, uma ponte, que une as duas margens de um rio. Linhas, figuras geométricas, gradações de luz. Um rio, pode ser, ele próprio, definido como uma linha sinuosa que cava uma garganta profunda no volume de um acidente orológico. Pode ser o perfil linear de uma árvore, os polígonos coloridos dos campos lavrados ou em flor, ou ainda a mancha abstracta e cromaticamente dinâmica de uma floresta. Pode ser a linha recta do horizonte distante que separa os azuis do céu e do mar ou a linha quebrada dos edifícios de uma cidade, interrompida pela curva parabólica de uma ponte. 

Outras culturas usam outros elementos, para esse efeito. Cheiros ou sons, por exemplo. O efeito subliminar dos cheiros pode ajudar, em certas culturas, o viajante a orientar-se em território desconhecido. O antropólogo Edmund Carpenter descreve como os Inuit desenham, em peles, mapas baseados na escuta do mar que atinge as rochas da costa. A partir desses sons surge o mapa com surpreendente e preciso detalhe do território escutado. Na prática, nenhum dos sentidos tem total primazia, embora haja diferenças culturais profundas e constragimentos naturais no peso relativo que eles têm na percepção do ambiente envolvente, na criação da noção de território e na construção daquilo que se designa por paisagem.

Passará muitas vezes despercebido o peso da escuta na percepção que temos, aqui no Ocidente, desse ambiente envolvente e do seu efeito no mapeamento do território. Estamos de tal maneira habituados a olhar o território e de tal forma condicionados pela realidade de mapas, textos, ecrãs, desenhos, fotografias e tantos outros elementos de natureza visual para representar, esse território, que poderemos não nos dar conta da importância que o som tem na construção deste conceito. Mas ela é inequívoca.

O som fornece-nos pistas fulcrais sobre o ambiente circundante. Funciona na ausência da visão e de forma ininterrupta. Os sons podem constituir marcos e podem-nos dar indicações sobre distâncias, sobre a natureza dos materiais, as deslocações e o estado dos elementos móveis da paisagem. O que nos permite, por seu turno, juntar outros factores, não tangíveis, a essa noção de território. O vento,  por exemplo, não se vê. Mas é possível definir um território a partir do efeito sonoro de um regime de ventos. Um ouvido treinado consegue distinguir espécies vegetais apenas pelo som que o vento provoca nas suas folhas. Diferentes tipos de folhas produzem sons diferentes. O vento e os sons que transporta é também um excelente indicador metereológico. Se ainda encontrarem algum, perguntem ao moleiro. O som pode ser um utensílio precioso para lidar com elementos intangíveis ou efémeros dessa paisagem.

O sino é, simultaneamente, um marco, um símbolo e uma ferramenta fulcral desse processo. O sino marca um território. O seu perfil sonoro foi outrora o elemento que delimitava a fronteira da paróquia, como lembrava Schafer. O seu tamanho e a sua potência sonora ajustavam-se a essa função. Simultaneamente, o sino leva consigo, através do território que o seu perfil sonoro cobre, a sua mensagem e constitui a presença simbólica de quem a determina. É um hino, uma espécie de tele-bandeira.

Linhas, manchas cromáticas, formas geométricas, mapas, fotografias, itinerários e relatos de viagem, são representações visuais de realidades físicas que nos ajudam a construir mentalmente e a orientarmo-nos num território. Também o som, os sons, nele produzidos entram nesse processo.

Não é, pois, por acaso que o território e o sino se fundem neste Ritual Sonoro. O centro do território deste ritual será o Largo da Oliveira, em Guimarães. Os sinos da sua igreja serão o fulcro sonoro desta intervenção. A par dos sinos da Oliveira outros sinos, de vários tamanhos e qualidades, das igrejas do centro da cidade e das suas zonas circundantes, teremos sinos de mão e pequenos sinos individuais, fixos e móveis, dos grupos participantes neste ritual, que soarão no espaço deste ritual. E enquanto se propaga esse som simbólico e sagrado, proveniente de vários pontos do território concelhio, no Largo, um coro fará ouvir um canto: uma oração Navajo, que nos fala justamente de território, das direcções e das extensões que esse território contém.

Um Ritual Sonoro inserido num conjunto de actividades denominado Greenweek, inciativa que faz parte da candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia, de onde emana a Bienal da Arte da Terra que este Ritual, celebração do Território e do Sino, pretende simbolizar.

O Ritual Sonoro vai ter lugar no dia 4 de junho de 2017, pelas 12:45h. Fotos de ensaio de CAA.

 (NB- sobre o acontecimento ver aqui.)

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