O Labirinto


Havia naquela aldeia um espaço misterioso, rodeado de altas sebes e muros inexpugnáveis, que se dizia possuir uma vibração sobrenatural. Quem lá entrou, viu o espaço, experimentou a vibração e percebeu esta singularidade, jamais conseguiu descrever com exactidão o que sentiu.
Periodicamente algumas pessoas eram atraídas de forma espontânea e imprevista para a sua entrada, sem que se saiba explicar qual a causa desse fenómeno. Por ali ficavam depois, expectantes. A porta que dava acesso ao seu interior abria-se de forma totalmente imprevista quando aparecia uma outra pessoa. Alguém também atraído, por uma qualquer razão inexplicável, para esse local que emparelhava com quem já lá estava à espera.
Quando um par se formava, ouvia-se um som cuja origem ninguém conseguia identificar e a porta abria-se então através de um mecanismo, que se adivinhava complicadíssimo pelos sons que produzia, cujo modo de funcionamento também nunca foi possível descrever com rigor.
O que se sabe é que quando se formava um par, a porta abria-se e esse par precipitava-se de forma incontrolada para o interior daquele espaço, atraído por uma qualquer e incompreensível força. Os pares formavam-se sobretudo com gente local, mas era frequente aparecerem forasteiros que emparelhavam com algum habitante da aldeia ou eram também para ali atraídos e ali emparelhavam com algum dos outros forasteiros que para lá tinham igualmente sido também atraídos.
Depois de entrarem no estranho espaço, a porta fechava-se. Era impossível abri-la de fora (antes tinha de se formar uma dessas parelhas), mas era possível abri-la por dentro e voltar a sair.
Aos pares que entravam, deslumbrados com aquele intrigante fenómeno, deparava-se um longo corredor, ao fundo do qual havia uma saída. Depois de a passarem, novos corredores, com novas saídas, cada vez mais saídas e mais corredores que levavam os pares a ter de planear com cuidados redobrados os seus próximos passos. Por vezes desentendiam-se, optavam por ir cada um para uma saída diferente, outras vezes voltavam para trás, calcorreavam de novo um corredor anteriormente ultrapassado e escolhiam juntos uma saída diferente. Também acontecia seguirem por corredores diferentes para se reencontrarem mais adiante. Nesse caso, se resolviam voltar a avançar juntos, progrediam, recuavam, alguns acabavam por se separar novamente. Acontecia a alguns desistirem e voltarem para trás. Outros — daqueles que ensaiavam esse recuo — acabavam perdidos.
Pelo caminho encontravam outros pares, por vezes um ou outro desses perdidos. Os mais prevenidos ou calculistas tinham optado pelo velho truque das migalhas de pão e reencontravam o caminho de volta à entrada, que abria, recordo, por dentro. Os mais incautos perdiam-se definitivamente.
Por vezes um alçapão traiçoeiro abria-se subitamente e engolia um deles.
A maioria, porém, acabava por encontrar a porta de saída. Esta abria-se, de forma igualmente misteriosa, quando o par que tinha completado esta jornada chegava junto a ela. Nessa altura esse par podia sair livremente daquele espaço, para o qual tinha sido atraído de forma tão inexplicável.
Depois de concluirem este surpreendente percurso, já livres dos constrangimentos daquele espaço, muitos acabavam a viver na aldeia, outros iam por aí fora, de volta ao local de onde tinham partido ou para um novo destino, junto ao sol.
Os registos da aldeia, cuidadosamente preservados pelos seus habitantes, intrigados com aquele inusitado fenómeno, contêm listas pormenorizadas dos numerosos pares que, depois de encontrarem a saída juntos, por lá ficaram ou passaram as suas fronteiras rumo a outros destinos. Dão também conta dos que se perderam por aqueles corredores que pareciam não ter fim, e dos que percorreram o caminho de volta à porta de entrada.
Alguns destes últimos para ali ficariam, na esperança imorredoira de que pudesse aparecer algum par que permitisse accionar de novo o misterioso mecanismo de controlo da abertura da porta.

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