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Os dois relojoeiros

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H avia em tempos longínquos, na cidade de La Chaux-de-Fonds, dois relojoeiros muito apreciados pela especial qualidade dos relógios que produziam. Havia uma certa disputa até entre eles.  Não faltavam artífices distintos nesta cidade, que a pouco e pouco começou a tornar-se muito conhecida por isso. Aqui se fabricavam os melhores e mais precisos movimentos, as mais robustas e mais sólidas caixas, os mais belamente decorados mostradores. Os relojoeiros de La Chaux-de-Fonds orgulhavam-se da excelência dos seus conceitos, da quase inacreditável exactidão dos seus métodos de trabalho, do requinte extremo dos seus preciosos acabamentos, mas era no rigor das medições que os seus relógios proporcionavam que colhiam um sentimento especial. Um ano era um ano, um mês era um mês, um dia tinha vinte e quatro rigorosas horas, cada hora tinha sessenta precisos minutos, cada minuto era medido em sessenta completos segundos e cada segundo era um instante exacto, cuja absoluta duração era, não s

A Marina

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As manifestações de apreço que me têm sido transmitidas a propósito desta ópera TMIE, standing on the threshold of the outside world são invariavelmente do tipo "parabéns, muito bom [pausa dramática] e a cantora! Que fantástica, como é que ela conseguiu meter aquela música toda na cabeça, e que força é preciso ter para estar uma hora, assim, sozinha em palco..." Pois bem, estas apreciações sobre a Marina pecam por um motivo: ficam muito aquém dos elogios que ela merece. Eu sei porque acompanhei e orientei, no contexto do papel que me cabia, o trabalho dela e, digo-vos, não consigo encontrar palavras que traduzam exactamente o elogio que gostava de lhe fazer e que ela merece. Eu sei porque passei com ela horas e horas de ensaio, partilhei pausas, fui verificando momento a momento a evolução e os resultados do nosso processo de trabalho. A obra foi nascendo, foi ganhando vida, porque a Marina lhe deu vida! Sei-o, digo-o categoricamente, como mais ninguém. Claro que

TMIE, standing on the threshold of the outside world (Texto da folha de sala)

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No limiar do mundo exterior Não, não se trata de uma gralha. TMIE é o acrónimo de Transmembrane Inner Ear (transporte trans-membranário do ouvido interno). É um gene, um dos elementos inicialmente activos na formação do ouvido interno, que está presente na cóclea e faz parte do complexo processo de transdução electromecânica do som para o nervo auditivo. O mau funcionamento deste gene é causa de surdez. O seu funcionamento, em condições normais, medeia a passagem entre o mundo sonoro exterior — o das variações da pressão sonora do ar que nos chega ao ouvido interno e o nervo auditivo — até a informação, finalmente, chegar ao cérebro e ser por ele processada. TMIE é título escolhido para esta obra como um símbolo da ligação do nosso mundo exterior ao mundo interior. Em TMIE duas deusas, de mitologias diferentes, têm uma conversa improvável sobre os seus universos pessoais. Meretseger, aquela que ama o silêncio, desvenda-nos o que ouve por detrás desse silêncio. Selene, aquela

Uma ópera sobre a espiral

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"TMIE, on the threshold of the outside world" é uma nova ópera de Carlos Alberto Augusto. Marina Pacheco, admirável soprano, vai estrear a obra no próximo dia 8 de setembro no O'culto da Ajuda. TMIE tem um libreto baseado no livro de Beverly Biderman  "Wired fro Sound: a journey into hearing"  e no livro de George Johnson  "Miss Leavitt's Stars: The Untold Story of the Woman Who Discovered How to Measure the Universe" , assim como excertos do filósofo Empédocles e do poeta Antero de Quental. Biderman é a canadiana, surda profunda desde os 12 anos, que aos 46 se submeteu a uma operação de colocação de implantes cocleares e nos descreveu o processo complexo de reaprendizagem da audição. Nessa descrição da reaprendizagem adivinhamos o que é a aprendizagem . Leavitt é a astrónoma, também surda, que criou as bases de trabalho que permitiram esta coisa espantosa que é conseguir medir o universo. Fê-lo enquanto ouvia o "ritmo das estrelas"

O Manel

" A credito firmemente que sem especulação não existe observação de qualidade e original", terá dito Darwin. As expressões faciais de bebés e crianças têm sido objecto de análise por numerosos cientistas. Darwin é, ele próprio, uma figura de referência no domínio da análise das expressões faciais em geral, e este tema, em particular, o da expressão facial das crianças, não lhe escapou à atenção. Tudo isto vem isto a propósito de uma situação que aconteceu ontem comigo. Eu conto. Estava numa esplanada com uma amiga. Na mesa ao lado sentava-se uma jovem mãe com um bebé e um casal que imaginei que fossem os avós do bebé. O bebé estava virado para mim, mas entretido na brincadeira com a mãe e só a ela parecia prestar atenção. De repente os nossos olhares cruzaram-se. A expressão do bebé indicava claramente uma reacção que me deixou especialmente intrigado. Passados escassos segundos, o bebé voltou a buscar o meu olhar e novamente lhe observei uma expressão facial especial.

Paulo Varela Gomes

Uma singelíssima homenagem a alguém que admirei muito. Morreu hoje. Escrevi dois posts neste blog inspirados pelas suas crónicas.  Estão aqui e aqui . Embora não o conhecesse pessoalmente, tocou-me muito particularmente esta perda.

O Labirinto

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Havia naquela aldeia um espaço misterioso, rodeado de altas sebes e muros inexpugnáveis, que se dizia possuir uma vibração sobrenatural. Quem lá entrou, viu o espaço, experimentou a vibração e percebeu esta singularidade, jamais conseguiu descrever com exactidão o que sentiu. Periodicamente algumas pessoas eram atraídas de forma espontânea e imprevista para a sua entrada, sem que se saiba explicar qual a causa desse fenómeno. Por ali ficavam depois, expectantes. A porta que dava acesso ao seu interior abria-se de forma totalmente imprevista quando aparecia uma outra pessoa. Alguém também atraído, por uma qualquer razão inexplicável, para esse local que emparelhava com quem já lá estava à espera. Quando um par se formava, ouvia-se um som cuja origem ninguém conseguia identificar e a porta abria-se então através de um mecanismo, que se adivinhava complicadíssimo pelos sons que produzia, cujo modo de funcionamento também nunca foi possível descrever com rigor. O que se sabe é que qu