O afinador dos Açores



"É preciso encontrar a afinação e mantê-la", explicava-me Márcio Vargas, o afinador de pianos açoreano. Diz-me isto enquanto afina o piano com o qual Antonella Barletta — a pianista italiana que connosco percorre a rota desta "Mulher de Porto Pim" — executará duas pequenas valsas, em ternário Morricone com travo ilhéu, que marcam a distância entre duas das quatro histórias de Tabucchi que compõem esta leitura encenada.
O que Vargas me procura dizer é que, depois de encontrada a tal afinação, ela terá de ser mantida, pese embora o quadro de funcionamento de um mecanismo complexo, delicado e sensível, feito de cordas, teclas, martelos, feltros e pedais, que é o piano, tocado pelos dedos de um pianista, em condições ambientais que podem ser muito variáveis.
Afinar um piano não é, pois, encontrar simplesmente a frequência exacta. É assegurar que ela se mantém exacta nas circunstâncias particulares em que o piano vai ser tocado. Aí reside a arte do afinador.
"É preciso encontrar a afinação e mantê-la"... Justamente aquilo que tentamos fazer desde que aqui chegámos: encontrar a afinação justa para o objecto que estamos a construir com as palavras de Tabucchi.
E depois manter tudo e todos, tendo em conta as circunstâncias especiais em que o nosso trabalho decorre, dentro dessa afinação.

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