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A mostrar mensagens de 2008

Decibéis? (1)

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Numa edição recente do programa "Cuidado com a Língua" da RTP, um actor referiu várias vezes a palavra "decibéis". Sempre pensei que as unidades não tinham plural. Quando muito —quando muito!—o plural de decibel (unidade de medida em acústica, electrónica, etc) seria decibels , embora mesmo isto me cheire mal. Referi o caso à produção do programa. Quando ouço falar em “decibéis”, confesso, fico com arrepios. Amavelmente, a produção do “Cuidado com a Língua” respondeu-me alertando para o facto de o Ciberdúvidas ter tratado duas vezes o tema. Como as respostas do Ciberdúvidas me suscitam sérias e legítimas dúvidas (sem ciber!) aqui deixo algumas considerações sobre o assunto.  1) Não sou perito em Língua Portuguesa, mas sou utilizador da unidade "decibel" por profissão. Trabalhei na área do ruído muitos anos e, embora esteja afastado dessa matéria neste momento, como sou músico, o decibel continua, hoje como sempre, a cruzar-se com o meu quotidiano p

Por quem os sinos dobram

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Há mais de 20 anos trabalhei no departamento de ruído da então Secretaria de Estado do Ambiente (S.E.A.). Uma das áreas que mais preocupações nos dava era a das reclamações. Não se tratava de nenhuma brincadeira: o ruído era a causa principal de reclamação dentro da SEA. As consequências desta disfunção ambiental podem ser extremamente sérias. Desde problemas gravíssimos de saúde até casos de tentativa de homicídio (consumado, num caso ocorrido na Amadora), passando por desavenças entre vizinhos (por vezes até entre familiares!) que acabavam em tribunal, houve de tudo um pouco. Em dado momento começámos a receber um número crescente de reclamações relativas ao que foi classificado como "sinos electrónicos". O "sino electrónico" (descobri-o no terreno...) era um vulgaríssimo relógio de pêndulo, com um pequeno badalo, daqueles que se penduram na sala ou no corredor, que uns quantos espertalhões equipavam com um microfone barato, ligado a um amplificador, por su

Serviço público

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Por feliz coincidência, os membros da equipa que montava a aparelhagem e o palco para um espetáculo que ontem decorreu aqui em Benavente, no âmbito das festas locais de verão, dispunham de uma unidade de rastreio auditivo gratuito, mesmo junto ao seu “local de trabalho.” Não sei se  algum deles teve a coragem de ir verificar o estado dos seus ouvidos. Pelo que ouvi quando passei pelo local, cheira-me que não iriam ter boas novidades... À semelhança do que se passa um pouco por todo o país nesta altura do ano, as festas desta pacata localidade transformam Benavente num completo pandemónio sonoro.  Por escape ou para dar um sinal de “força”, este tipo de festas constitui uma verdadeira imundície sonora que deixa marcas indeléveis em quem nelas participa, por prazer, em trabalho, ou em quem, simplesmente, foi apanhado no cortejo. Uma sugestão para o ano: aproveitem este tipo de unidades móveis de rastreio auditivo e promovam, por uma vez e a título experimental, a realização d

Turismo Infinito

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De vez em quando temos a oportunidade de ver um daqueles espetáculos que nos agarram, sem um momento de abrandamento, sem quase termos tempo de respirar. Acontece. "Turismo Infinito" é uma produção do Teatro Nacional de S. João, superiormente dirigida por Ricardo Pais, que está manifestamente nesta categoria. Um espetáculo produzido a partir de textos de Fernando Pessoa (num trabalho notável de António M. Feijó) que demonstra, antes de mais, como se pode produzir um objecto teatral de luxo e de grande intensidade e densidade dramatúrgica, tendo sobretudo como matéria prima um enorme rigor e uma grande conjugação de talentos. Rigor e talento, aquilo que, simultaneamente, é necessário e falta a grande parte do teatro que se vai vendo por aí... Um destaque especial —que se justifica pela natureza particular destes meus "Fragmentos"— para o fantástico trabalho de voz dos actores e para design sonoro do Francisco Leal. Precioso!

Histórias Sonoras II

Tínhamos acabado a conversa anterior e acabáramos justamente de desligar o telemóvel. Eu tinha parado o carro num estacionamento em frente a uma esquina aqui no centro de Benavente. Qualquer coisa me suscitou a curiosidade na paisagem sonora desta minha nova terra ribatejana. Quando parei para prestar atenção ao que se passava, comecei a distinguir o som de um siringe , desses que os amoladores usam para anunciar a sua presença. Imediatamente localizei a fonte sonora. Mas, para meu espanto, havia outro! Dois amoladores aproximavam-se, provenientes de duas ruas diferentes, sensivelmente à mesma distância da esquina onde me encontrava. O amolador é uma espécie em vias de extinção. Consequentemente, o som do seu instrumento (o tal siringe ) já praticamente se não ouve nos dias que correm. Qual será então a probabilidade de apanhar um dueto simétrico de siringes , numa esquina de Benavente, que parecia escrito por um compositor invisível neste ano de graça de 2008, alguns segundos dep

Histórias sonoras I

O meu amigo Fernando Mora Ramos telefonou-me a contar que tinha tido uma invulgar experiência sonora e musical. Junto à sua casa decorrem neste momento obras de construção de um enorme complexo hoteleiro. Passada a fase das retro-escavadoras, começaram as obras de cofragem. A "orquestra" mudou. Agora os "naipes" desta nova "orquestra" são constituidos por martelos, brocas pneumáticas, chapas de ferro e, também, vozes. Num determinado momento, um acaso "sincronizou" esta orquestra improvável, produzindo um resultado, imagino eu, para-musical...  Falámos sobre isto e eu recordei o trecho Lion Dance do histórico "Vancouver Soundscape" gravado na Chinatown de Vancouver. Foguetes misturam-se com os tambores produzindo num determinado momento uma sequência que parecia ter sido escrita por um compositor invisível. Jung era invocado pelos autores deste estudo hoje clássico. Coincidências improváveis # 1.